por Rubem Amorese
Talvez ele não esteja entre os melhores filmes que assisti nos últimos meses. Porém, fui atraído pelo clima pós-apocalíptico mostrado no trailer. Sou fã dessas histórias que imaginam a vida após um hipotético holocausto nuclear.
“O exterminador do futuro” é um bom exemplo. Acabou virando uma trilogia. Talvez “O livro de Eli” não tenha fôlego para tanto. Mas traz, quase escondida, uma mensagem interessante: o poder “civilizador” de certo livro.
Eli (Denzel Washington) é um guerreiro andarilho que cruza a paisagem devastada da América do Norte, percorrendo estradas dominadas por gangues que matam as pessoas por um copo d’água ou por sapatos. Cenas de barbárie e selvageria: hordas de seres moribundos ou mutantes que pilham tudo o que encontram de valor e lutam entre si para sobreviver. Impera a lei do mais forte.
Em seu obstinado percurso, nosso herói esconde um livro que carrega consigo. O livro é tido, ao longo do enredo, como a esperança de um futuro para a humanidade; Eli o lê, diariamente, há trinta anos. Movido por seu compromisso e guiado pela crença em algo maior do que ele, Eli faz o que é preciso para sobreviver e seguir adiante. Sabe-se que o próprio Denzel desempenhou as façanhas físicas de seu personagem, dispensando dublês. A fotografia é muito boa; meio escurecida para combinar com a história.
Nesse ambiente, o vilão maior, Carnegie (Gary Oldman), chefe de uma cidadela de ladrões e pistoleiros, surge como alguém que compreende o poder do livro que Eli carrega e que fará de tudo para se apoderar dele.
Eis um bom comentário que encontrei na internet: “No começo, o roteiro atrai pela excentricidade desse futuro pós-apocalíptico; depois, o espectador é agarrado pela rivalidade criada entre o protagonista e o vilão. Mais para o final, há uma grande surpresa que fará alguns quererem assistir novamente ao filme”. Vou parar por aqui, para não ser estraga-festa.
Não é preciso fazer uma leitura teológica da história. Ela mesma se apresenta escatológica. Só o fato de o personagem principal se chamar Eli e transportar o que, no final do filme, se confirmará como sendo o último exemplar da Bíblia, já diz tudo. É interessante, no entanto, a percepção do vilão de que o livro conteria uma mensagem capaz de reerguer a humanidade aos níveis civilizatórios perdidos. Nele estariam escritas as palavras necessárias para tirar os homens da obscuridade moral e do caos social em que foram lançados. Carnegie pretende usar as palavras mágicas para tornar-se inaugurador de uma nova raça humana e reorganizar -- em seu proveito -- os sobreviventes da catástrofe mundial.
Detalhes finais: lendo o livro todos os dias, por trinta anos, Eli conseguiu decorá-lo. Será que o autor está pontuando sobre o valor da memorização bíblica? O filme termina com a recriação das circunstâncias em que Gutenberg imprime seu primeiro livro. Claro, o livro de Eli.
Saí do cinema com um versículo na cabeça: “Lâmpada para os meus pés é a tua palavra, e luz para o meu caminho” (Sl 119.105). Amém.
• Rubem Amorese é consultor legislativo no Senado Federal e presbítero na Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília. É autor de, entre outros, Louvor, Adoração e Liturgia e Fábrica de Missionários — nem leigos, nem santos.
Fonte: Ultimato
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